ITCMD (ou ITCD, ou ITD) à luz da Reforma Tributária
Introdução
O presente artigo abordará o ITCMD sob a perspectiva da Reforma Tributária, com o objetivo de esclarecer as principais mudanças trazidas pela nova legislação no tocante à aplicação deste imposto. Analisaremos, de forma prática, como os Estados de Minas Gerais e São Paulo vêm se movimentando para adequar suas normas à nova redação constitucional, avaliando, ainda, se tais alterações resultarão ou não em aumento da carga tributária para o contribuinte.
Ao final, disponibilizaremos um simulador que permitirá ao leitor estimar, com base no valor do seu patrimônio, se a nova sistemática de cálculo resultará em um imposto maior, menor ou equivalente ao atualmente praticado. A ferramenta servirá como um indicativo para auxiliar na tomada de decisão e no planejamento patrimonial frente às transformações que se aproximam.
Entendendo o ITCMD (ou ITCD, ou ITD)
O ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – é um imposto de competência estadual que incide sobre a transferência gratuita de bens ou direitos, seja por sucessão legítima, testamentária ou por doação. Em termos objetivos, trata-se do imposto aplicado sempre que há a transmissão de patrimônio sem que ocorra uma contraprestação financeira em troca.
Embora cada unidade da federação possa adotar uma sigla específica – como ITCMD, ITCD ou ITD – todas elas referem-se ao mesmo imposto, cuja regulamentação e alíquota variam conforme a legislação estadual. Para fins de padronização neste artigo, utilizaremos a sigla ITCMD.
Incidência do ITCMD no contexto do divórcio ou término da união estável
Além das transmissões por herança e doação, o ITCMD também pode incidir sobre partilhas de bens decorrentes de divórcio ou dissolução de união estável. Esse é o caso quando um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros recebe, na partilha, um patrimônio superior à sua quota legal, conforme o regime de bens adotado durante a relação.
Exemplificando: suponha-se um casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens, na qual os cônjuges adquiriram, ao longo da união, um imóvel avaliado em R$ 200.000,00 1 e aplicações financeiras no valor de R$ 100.000,00, totalizando um patrimônio de R$ 300.000,00. Pela divisão legal, caberia a cada um a quantia de R$ 150.000,00. No entanto, se o casal acorda que um dos cônjuges permanecerá com o imóvel e o outro com os recursos financeiros, verifica-se um desequilíbrio patrimonial, uma vez que aquele que ficou com o imóvel recebeu R$ 200.000,00, ultrapassando sua quota-parte em R$ 50.000,00.
Este valor excedente, observadas as isenções previstas na legislação de cada estado, é caracterizado como doação e, por consequência, sujeita-se à incidência do ITCMD, cuja alíquota varia de estado para estado.
Reforma Tributária: a obrigatoriedade da progressividade na alíquota
Em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que o ITCMD admite a progressividade de alíquotas 2. Desde então, diversos estados brasileiros reformularam suas legislações, incorporando alíquotas escalonadas que aumentam conforme o valor da herança ou da doação. Ainda assim, alguns estados permaneceram fiéis a um modelo de alíquota fixa, como Minas Gerais (5%) e São Paulo (4%). Por serem as unidades federativas de maior interesse prático para os leitores deste artigo, focaremos a análise nesses dois estados.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, em 20 de dezembro de 2023 – Reforma Tributária – a progressividade do ITCMD deixou de ser uma faculdade para se tornar uma exigência constitucional. Dessa forma, estados que ainda operam sob alíquotas únicas deverão, obrigatoriamente, adequar suas legislações estaduais à nova regra.
Até o momento, Minas Gerais e São Paulo não concretizaram as adaptações legislativas exigidas. No caso paulista, porém, já tramitam propostas de alteração. O Projeto de Lei nº 7/2024 propõe alíquotas progressivas variando de 2% a 8%. Por outro lado, o Projeto de Lei nº 409/2025 sugere uma estrutura de alíquotas mais favorável ao contribuinte, oscilando entre 1% e 4%.
Ambos os projetos ainda estão em tramitação e, por ora, carecem de eficácia normativa. Além disso, não há, até o momento, qualquer possibilidade concreta de se afirmar qual deles será, de fato, aprovado pelo legislativo estadual. Vejamos a seguir a estrutura comparativa das alíquotas previstas:
| Base de Cálculo | Alíquota – PL 7/2024 | Alíquota – PL 409/2025 |
|---|---|---|
| Até 10.000 UFESPs | 2% | 1% |
| Acima de 10.000 UFESPs a 85.000 UFESPs | 4% | 2% |
| Acima de 85.000 UFESPs a 280.000 UFESPs | 6% | 3% |
| Acima de 280.000 UFESPs | 8% | 4% |
A base de cálculo utiliza a UFESP – Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – índice monetário ajustado anualmente pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Em 2025, o valor da UFESP é de R$ 37,02. Convertendo as faixas para valores em reais, temos:
| Base de Cálculo | Alíquota – PL 7/2024 | Alíquota – PL 409/2025 |
|---|---|---|
| Até R$ 370.200,00 | 2% | 1% |
| De R$ 370.200,01 até R$ 3.146.700,00 | 4% | 2% |
| De R$ 3.146.700,01 até R$ 10.365.600,00 | 6% | 3% |
| Acima de R$ 10.365.600,00 | 8% | 4% |
Em Minas Gerais, após pesquisa nos canais oficiais, não foi localizado, até a data de publicação deste artigo, qualquer projeto de lei em tramitação que proponha a necessária atualização legislativa para atender à nova exigência constitucional.
Percentual máximo da alíquota
Atualmente, a alíquota máxima do ITCMD é fixada em 8%, conforme determina a Resolução do Senado nº 9, de 1992. Tramita, no entanto, o Projeto de Resolução do Senado nº 57/2019, que propõe a elevação deste teto para 16%. Embora tenha sido objeto de discussão no contexto da reforma tributária, o referido projeto não está diretamente vinculado a ela. Desde fevereiro de 2023, o texto aguarda a designação de relator, e, até o momento, não se observa qualquer movimento relevante no Congresso que sinalize sua retomada ou aceleração.
Houve, também, uma tentativa anterior dos estados, em 2015, quando, por meio do Ofício Consefaz nº 11/2015, foi proposta ao Congresso Nacional a elevação do teto para 20%. Essa iniciativa, porém, não prosperou e permanece inerte até hoje.
Portanto, apesar das frequentes discussões acerca do possível aumento da alíquota máxima, não há, no cenário atual, qualquer indicativo concreto de que a reforma tributária venha a promover, de forma imediata, essa elevação. É importante ressaltar, ainda, que mesmo havendo eventual ampliação do teto, caberá a cada estado decidir se o incorporará à sua legislação. Minas Gerais, por exemplo, mantém, até hoje, a alíquota de 5%, embora esteja autorizada, desde 1992, a aplicar até 8%.
A (des)necessidade de urgência
Com o avanço da reforma tributária e as alterações obrigatórias na sistemática de alíquotas do ITCMD, multiplicaram-se nas redes sociais publicações que, muitas vezes de forma inadequada, incutem no público a sensação de urgência quanto à realização imediata de planejamentos patrimoniais e sucessórios, sob o argumento de que o imposto poderá se tornar substancialmente mais oneroso em curto prazo.
Tal percepção, no entanto, demanda cautela. Ainda que a preocupação não seja, de todo, infundada, é imprescindível analisar cada situação de forma individualizada. O impacto efetivo da alteração das alíquotas depende, sobretudo, da dimensão patrimonial envolvida e da legislação que venha a ser, de fato, aprovada.
No Estado de São Paulo, por exemplo, observa-se que, caso seja aprovado o Projeto de Lei nº 7/2024, a mudança tende a afetar apenas os patrimônios superiores a R$ 3,52 milhões. Por outro lado, se o Projeto de Lei nº 409/2025 for o aprovado, os cálculos indicam que o imposto será, independente do patrimônio, inferior ao atualmente vigente, resultando, portanto, em uma redução da carga tributária.
Em relação ao Estado de Minas Gerais, como até o momento não há qualquer projeto de lei apresentado para adequação à progressividade, não é possível realizar, neste instante, qualquer previsão ou análise sobre o impacto financeiro da futura alteração legislativa.
Além disso, é essencial destacar a aplicação do Princípio da Anterioridade Tributária, previsto no artigo 150 da Constituição Federal. De acordo com a doutrina de Luis Eduardo Schoueri 3, este princípio assegura que nenhuma cobrança de tributo pode ocorrer no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que o instituiu ou aumentou. A anterioridade é dividida em duas categorias: a genérica (ou anual), que impede a cobrança no mesmo ano da publicação da lei; e a nonagesimal, que exige um intervalo mínimo de 90 dias entre a publicação da lei e o início da cobrança.
Em termos práticos: para que um novo imposto ou aumento de alíquota seja exigido a partir de 1º de janeiro, a lei correspondente deverá ser publicada até 3 de outubro do ano anterior. Se a publicação ocorrer após essa data, a cobrança só poderá se iniciar, no mínimo, 90 dias após a publicação.
No caso específico do ITCMD, ambos os aspectos da anterioridade devem ser rigorosamente observados, o que proporciona ao contribuinte um tempo de preparação e reduz a possibilidade de surpresas tributárias inesperadas.
Portanto, não há fundamento para uma pressa indiscriminada no planejamento patrimonial. O contribuinte terá, no mínimo, 90 dias entre a publicação da nova lei estadual e a exigibilidade das novas alíquotas. Caso as novas alíquotas sejam mais benéficas ao contribuinte, a aplicação será imediata, pois o princípio da anterioridade protege apenas contra a criação e majoração de tributos, e não contra reduções.
Por fim, cabe ressaltar que a alíquota aplicável será sempre aquela vigente na data da ocorrência do fato gerador. Assim, em casos de transmissão causa mortis, por exemplo, a alíquota que prevalecerá será aquela em vigor na data do falecimento, independentemente de alterações legislativas posteriores 4.
Conclusão
Considerando as particularidades dos Estados de Minas Gerais e São Paulo, é possível afirmar que, no Estado de São Paulo, caso seja aprovado o Projeto de Lei nº 7/2024, para os contribuintes cujo patrimônio seja superior a R$ 3,52 milhões, pode ser prudente iniciar um planejamento patrimonial focado na mitigação da carga tributária em uma eventual sucessão hereditária. Para patrimônios inferiores a esse montante as alterações serão irrelevantes ou, em alguns casos, até benéficas, reduzindo o valor do imposto a ser pago. Caso aprovado o Projeto de Lei nº 409/2025, os cálculos indicam que o imposto será inferior ao atualmente vigente, para todos, independentemente do patrimônio.
No Estado de Minas Gerais, por sua vez, como não há até o momento qualquer projeto de lei apresentado visando a adequação à nova regra constitucional, eventual aumento das alíquotas dependerá da tramitação e aprovação de futura legislação estadual. Mesmo que tal projeto venha a ser apresentado e aprovado, os contribuintes ainda estarão resguardados pelo princípio da anterioridade tributária, o que lhes assegura um tempo razoável para organizar um planejamento sucessório eficaz com o apoio de um profissional especializado.
Este artigo não pretende esgotar o tema, cuja complexidade comporta desdobramentos contínuos e exige constante atualização. É natural que, após a leitura, subsistam dúvidas ou questionamentos complementares. Persistindo dúvidas, entre em contato com um advogado de sua confiança.
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Simulador de ITCMD
Disponibilizamos a seguir um simulador com finalidade meramente orientativa. O leitor poderá selecionar o estado – São Paulo ou Minas Gerais – e inserir a estimativa do valor do patrimônio sujeito à transmissão.
Para o Estado de São Paulo, o simulador apresentará uma comparação entre o sistema atual e os cenários projetados com base nos dois projetos de lei atualmente em tramitação, indicando se, em cada hipótese, haverá aumento ou redução da carga tributária. No caso de Minas Gerais, os cálculos serão realizados exclusivamente com base na legislação vigente, considerando que, até a data de publicação deste artigo, não há proposta formal apresentada para alteração das alíquotas naquele estado.
O simulador foi concebido para fornecer um panorama geral e não contempla eventuais descontos ou benefícios legais aplicáveis, como, por exemplo, a redução do imposto em caso de pagamento dentro de 90 dias contados do falecimento. Para obter uma análise personalizada e juridicamente adequada, é imprescindível consultar um advogado, que poderá explorar todas as possibilidades legais aplicáveis ao seu caso concreto.
Este simulador foi desenvolvido com base nas informações disponíveis na data de publicação deste artigo.
1 As discussões doutrinárias acerca do momento adequado para a avaliação do bem – se à época da aquisição ou no momento da dissolução da sociedade conjugal – não serão objeto de análise no presente artigo. Trata-se de questão relevante e complexa, que será oportunamente abordada em estudo específico dedicado a este tema.
2 EMENTA:RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 562045, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06-02-2013, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-233 DIVULG 26-11-2013 PUBLIC 27-11-2013 EMENT VOL-02712-01 PP-00001 RTJ VOL-00228-01 PP-00484).
3 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva Jur, 2023. Ebook. ISBN 9786553626041. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553626041.
4 Súmula 112 do STF: O imposto de transmissão "causa mortis" é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão.